Thursday 23 June 2016

A Última Tarde em Istambul




O calor das duas da tarde demoveu-me da caminhada até ao parque. Encontrei um banco onde a sombra não tardaria ganhar terreno e pousei os ossos e a mochila.

A vista era pouco mais do que um largo e com os barcos a partir do cais oriental em pano de fundo, barcos intercontinentais que sem o quererem ser são, e que me levaram a questionar o conceito de continental.
As águas e as gentes agitadas, os apitos do costume, a vida parece tão ordenada quando vista com olhos de visitante. O sentimento de plenitude é quase inato.

O largo servia de ponto de encontro e de conversa. Alguns desses encontros eram mais inesperados.
Veio de mansinho e com um sorriso acolhedor. Falou-me em Turco, senti-me lisonjeado, expliquei que não era o meu forte, ele não se demoveu. Percebi segundos mais tarde que o uso da língua mãe era apenas porque mais nenhuma sabia falar.

Sentou-se e conversámos. Não uma conversa regular, mas uma conversa de linguagem. Ele sem falar quase nenhuma palavra de inglês, eu, acabado de fazer vinte e nove anos com o meu Turco de viajante que ironicamente já me levou longe mas certamente não num diálogo. Conversámos com gestos, com o apontar dos dedos, com as poucas palavras que tínhamos em comum.
Expliquei-lhe a história dos meus últimos nove dias, o que tinha visto do seu país e com quem tinha partilhado tão impressionantes visões, e onde iria estar dali a poucas horas. Em casa. Não a casa que ele supunha pela nacionalidade, a outra, a escolhida.

Interessado e com coisas para contar, falou-me da sua cidade, de onde vinha, e perguntou se tinha sido bem tratado. A preocupação era genuína e enraizada na sua cultura. “Guest is god”.
Fiquei a saber sobre todos os jogadores de futebol Portugueses que actuam em equipas da Turquia, e até de um suposto treinador. E mais haveria para contar, não fosse o tempo e os óbvios entraves que se iam colocando.

Partilhámos também o silêncio, não desconfortável como sempre o sinto, mas de contemplação. Apenas dois homens a olhar para os barcos, para as pessoas, para o mar. 
Alertou-me para o trânsito na ida para o meu destino final, não me queria ver em trabalhos, e usei a deixa como desculpa para partir.
O aperto de mão foi tão casual como a hora que ele me ajudou a passar, sem dar por isso. A despedida na língua local foi recebida com um sorriso.

Güle güle.