Monday 13 May 2013

Maquinarias

"Passei a relativizar a distância e o tempo", confessa. "Temos uma mais real noção de escala e do próprio território quando o percorremos, principalmente a pé ou de bicicleta. Arriscaria dizer que não pertencemos a um local se nos deslocamos nele sempre enfiados dentro de um carro".
Retirado daqui.

Nos últimos doi meses, 99% das minhas deslocações na cidade de Londres foram feitas de bicicleta. 
O que começou quase por acaso tornou-se numa necessidade (até porque perdi o cartão Oyster nas últimas duas semanas), e depois num hábito. A bicicleta tornou-se parte da minha vida, o pedalar tornou-se tão natural como ir apanhar um autocarro, as distâncias tornaram-se tão curtas em cima de duas rodas que o tempo que sabia demorar num autocarro ou mesmo no metro a percorrê-las se tornou ridículo. Lembram-se do post dos 26? Pois bem cheguei a fazer 58, tudo no mesmo dia, e no dia a seguir acordei e sai de casa para pedalar mais.

Mas aquilo que me deu mais gosto foi mesmo sentir que fiquei amigo íntimo de Londres. Já não era a Londres do mapa do metro, era a minha Londres. A Londres dos caminhos decorados para chegar aos sítios habituais, dos corta-matos pelos parques, das ruazinhas paralelas para evitar semáforos, do caos quase controlado de pedalar no centro a desviar-me de turistas, do desmistificar das zonas 1, 2, 3 e até mesmo 4, e perceber que no fundo está tudo interligado e é como que uma enorme sopa de letras cozinhada num caldeirão de betão e alcatrão.

No último dia, minutos antes de entregar a bicicleta a uma amiga que a comprou, tive o meu primeiro acidente.
Não foi um taxista maluco, nem condutor de autocarro bronco, nem turista deslumbrado...foi um homem de meia-idade, de fato e gravata, que se lembrou de atravessar a rua sem olhar, na pressa típica de quem acaba de sair do trabalho e liga o modo robô, sem ver nada à frente até chegar a casa.


Bati-lhe no ombro, perdi o controlo da bicicleta por segundos, recuperei-o, mas o boné saltou-me da cabeça e na tentativa de o apanhar no ar descontrolei-me de novo e sai literalmente a correr pela estrada fora com a bicicleta a fugir por debaixo do corpo. 

Em fúria absoluta, deixei-a estendida no meio da estrada, e corri atrás do homem. Agarrei-lhe o ombro e gritei-lhe das boas na cara, pronto para lhe espetar um murro na dita cuja caso desse para otário...mas qual robô em modo "das not compute", ficou a olhar para mim confuso.
Nem sequer se tinha apercebido do encontrão no ombro, não tinha feito caso, não tinha percebido que por mais uma milésima de segundo podia ter ido parar ao hospital (ou à morgue, se em vez de eu em duas rodas fosse outro em quatro).

Disse-lhe para ter cuidado da próxima vez, ele pediu desculpa sem saber bem porquê.

Sem correr riscos, subscrevo a citação do Tiago que deixei no início deste post, e acrescento: não pertencemos a um local se ignorarmos aquilo que nele se passa à nossa volta. Pior do que as limitações da máquina enquanto meio de deslocação, é deslocarmos-nos pela vida em modo máquina.

E agora venha o Mundo.

Monday 6 May 2013


Adoro descobrir discos fora do tempo, e perder noites a ler as letras.