Sunday 21 October 2012

Janela Indiscreta


No outro dia fui ver os Caspian, numa noite que acabou por se revelar super agradável não só pela qualidade da música mas pela qualidade da companhia. Encontrar amigos de forma totalmente inesperada é sempre fixe, aliás, ficar na conversa à porta de um concerto muitas vezes é tão bom como o próprio concerto. A música ao vivo é uma experiência que se deve encarar de forma social, de partilha. Ainda que a música dos Caspian a mim me toque de uma forma muito pessoal; dei por mim a fechar os olhos em alguns momentos só a absorver a música.

Esta ideia levou-me depois a reflectir sobre um episódio que aconteceu durante o concerto: dois amigos, não sei se grandes fãs da banda ou apenas curiosos que pediram para entrar perto do fim e mandar um olhinho, colocaram-se à nossa frente e decidiram começar uma sessão de fotos e vídeos da banda em actuação. Nada demais, não fosse o facto da "sessão" ter levado uns bons 5 minutos ou mais, e de um deles, após ter finalizado a gravação, ter tocado no botão de play e ficado a mostrar ao amigo o vídeo com enorme regozijo, qual sessão de cinema. Enquanto a banda tocava à frente deles...
Já tinha assistido a fenómeno semelhante num concerto de City & Colour há uns bons tempos atrás, em que uma miúda ficou o concerto todo ao meu lado a gravar o áudio do concerto no iphone e a fotografar com uma máquina sem lente especializada, ou seja todas as fotos estavam uma merda. Lembro-me perfeitamente que nesse concerto o Dallas chegou a pedir que parassem as fotos apenas durante uma música, e que as pessoas se concentrassem no som e cantassem com ele. Escusado será dizer que foi um dos melhores momentos do concerto.

Hoje em dia parece que toda a gente vê o mundo através de um ecrã. Se estás a ter um momento agradável, tens que fotografar, tens que partilhar, tens que mostrar aos teus "amigos". É quase inato, e deixa-me assustado. Será que esta forma distorcida pela tecnologia de apreciarmos a nossa própria realidade não nos torna demasiado auto-conscientes? Onde é que fica o efeito do "deixarmos-nos levar pelo momento" se no nosso cérebro o momento está a ser absorvido de uma forma completamente calculada, informatizada, globalizada? Será que nos comportamos da mesma forma se soubermos que vamos ter registos visuais para mais tarde recordar, ou que a qualquer momento alguém pode fazer isso por nós sem o nosso conhecimento? 

Não me interpretem mal, eu tiro sempre uma foto ou outra de um concerto a que vou, ou de um qualquer outro momento especial, e mais, eu filmo, edito e publico online na Juicy TV imagens de concertos, mas este último é um acto de quase "serviço público", de querer deixar algo que possa ser mostrado a futuras gerações sobre a cultura que tanto amo. Ainda assim quando filmo vejo os concertos através do ecrã da câmara, e acreditem, é diferente. Parece que as coisas se desenrolam a uma velocidade diferente, numa dimensão paralela em que me sinto mais dentro do que se passa no ecrã do que a minha própria presença física.

Só espero que como seres humanos consigamos abrandar esta corrida para a despersonalização da vida real, que consigamos dar mais valor aos momentos e às pessoas, às coisas que fazemos em conjunto, do que ao registo dessas mesmas coisas.
"Para mais tarde recordar", mas nunca se esqueçam de que as memórias não morrem se as mantivermos vivas no nosso cérebro e no nosso coração.