Wednesday 26 December 2012

320

É o meu novo highscore pessoal de Scrabble. E também o primeiro, visto que ontem foi a primeira vez que joguei.
Acho que libertei um monstro que ainda me vai dar muitas dores de cabeça (das boas claro).

Obrigado Nets pela prenda e pela jogatana. Melhor maneira de encerrar o Natal deste ano.


Sunday 21 October 2012

Janela Indiscreta


No outro dia fui ver os Caspian, numa noite que acabou por se revelar super agradável não só pela qualidade da música mas pela qualidade da companhia. Encontrar amigos de forma totalmente inesperada é sempre fixe, aliás, ficar na conversa à porta de um concerto muitas vezes é tão bom como o próprio concerto. A música ao vivo é uma experiência que se deve encarar de forma social, de partilha. Ainda que a música dos Caspian a mim me toque de uma forma muito pessoal; dei por mim a fechar os olhos em alguns momentos só a absorver a música.

Esta ideia levou-me depois a reflectir sobre um episódio que aconteceu durante o concerto: dois amigos, não sei se grandes fãs da banda ou apenas curiosos que pediram para entrar perto do fim e mandar um olhinho, colocaram-se à nossa frente e decidiram começar uma sessão de fotos e vídeos da banda em actuação. Nada demais, não fosse o facto da "sessão" ter levado uns bons 5 minutos ou mais, e de um deles, após ter finalizado a gravação, ter tocado no botão de play e ficado a mostrar ao amigo o vídeo com enorme regozijo, qual sessão de cinema. Enquanto a banda tocava à frente deles...
Já tinha assistido a fenómeno semelhante num concerto de City & Colour há uns bons tempos atrás, em que uma miúda ficou o concerto todo ao meu lado a gravar o áudio do concerto no iphone e a fotografar com uma máquina sem lente especializada, ou seja todas as fotos estavam uma merda. Lembro-me perfeitamente que nesse concerto o Dallas chegou a pedir que parassem as fotos apenas durante uma música, e que as pessoas se concentrassem no som e cantassem com ele. Escusado será dizer que foi um dos melhores momentos do concerto.

Hoje em dia parece que toda a gente vê o mundo através de um ecrã. Se estás a ter um momento agradável, tens que fotografar, tens que partilhar, tens que mostrar aos teus "amigos". É quase inato, e deixa-me assustado. Será que esta forma distorcida pela tecnologia de apreciarmos a nossa própria realidade não nos torna demasiado auto-conscientes? Onde é que fica o efeito do "deixarmos-nos levar pelo momento" se no nosso cérebro o momento está a ser absorvido de uma forma completamente calculada, informatizada, globalizada? Será que nos comportamos da mesma forma se soubermos que vamos ter registos visuais para mais tarde recordar, ou que a qualquer momento alguém pode fazer isso por nós sem o nosso conhecimento? 

Não me interpretem mal, eu tiro sempre uma foto ou outra de um concerto a que vou, ou de um qualquer outro momento especial, e mais, eu filmo, edito e publico online na Juicy TV imagens de concertos, mas este último é um acto de quase "serviço público", de querer deixar algo que possa ser mostrado a futuras gerações sobre a cultura que tanto amo. Ainda assim quando filmo vejo os concertos através do ecrã da câmara, e acreditem, é diferente. Parece que as coisas se desenrolam a uma velocidade diferente, numa dimensão paralela em que me sinto mais dentro do que se passa no ecrã do que a minha própria presença física.

Só espero que como seres humanos consigamos abrandar esta corrida para a despersonalização da vida real, que consigamos dar mais valor aos momentos e às pessoas, às coisas que fazemos em conjunto, do que ao registo dessas mesmas coisas.
"Para mais tarde recordar", mas nunca se esqueçam de que as memórias não morrem se as mantivermos vivas no nosso cérebro e no nosso coração.

Monday 13 August 2012

Olímpico

Nunca fui muito à bola com eventos feitos para as massas. Festivais de Verão, Europeus, Pavilhões Atlânticos...consigo contar pelos dedos de uma mão as vezes que me vi no meio desse tipo de situações. Talvez seja da minha fraca paciência para gente amontoada e os consecutivos comportamentos estúpidos que se verificam quando o anonimato é garantido pelos números.

Mas ontem, única e exclusivamente por questões de trabalho, fiz parte da Cerimónia de Encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 (diz que escrito com letras maiúsculas causa mais impacto). E quando eu digo fiz parte entenda-se participei. Mas já lá vamos.

A minha equipa ia dar apoio à entrega da tocha olímpica ao Brasil. Uns bons 300 dançarinos, entre voluntários e profissionais, uns fatos e apetrechos esquisitos, muito samba, 5 minutos e estava feito. Andei a semana toda sem fazer quase nada, a comer sempre as mesmas sandes, ver ensaios em armazéns e descampados, e a pensar que ia ser uma banhada todo o tamanho. Até que num certo dia de ensaio geral, já com palco simulado e o resto da malta da cerimónia, me aparecem as Spice Girls em cima de taxis pretos. "Wow. Espera lá, que se calhar ainda vou ter umas surpresas". 
E tive. Ontem, em pleno estádio olímpico, passadas umas boas 12 horas de "standing by", decidi apanhar o elevador mais 2 colegas, explorar o estádio e ver se conseguíamos ver o espectáculo antes da nossa parte, que era muito perto do fim. Acabámos por conseguir passar segurança, ser expulsos de 2 zonas de imprensa porque não tínhamos a acreditação correspondente, mas lá arranjámos o nosso cantinho, com vista privilegiada:






Foi impossível não ficar de boca aberta várias vezes, à medida que ganhava noção da dimensão e da qualidade do espectáculo como um todo (o ensaio geral que vi eram só 2/3). Não eram tanto os nomes famosos que me surpreendiam, mas sim a grandiosidade, a capacidade de coordenar, coreografar e fazer centenas de pessoas darem uma vida mecânica mas exuberante a um espectáculo cheio de criatividade.

Mas eu estava ali era para trabalhar. 
A minha equipa, dividida entre 2 túneis de acesso, era a dos Props - Kites, que eram sem dúvida a coisa mais complicada de toda a coreografia. Chegou a nossa hora, as nossas dançarinas apareceram, os tais "kites" foram colocados em posição e elas receberam a chamada de palco. Eu, ingénuo nestas andanças dos eventos de grande escala, tinha andado a noite toda a dizer "Mas porque raio ainda não houve fogo de artifício? Tem que haver fogo de artifício!"
Parecia que me tinham ouvido:



A euforia foi quase instintiva. Tive que engolir as minhas próprias palavras críticas e admitir que foram 5 minutos muito bem conseguidos, ainda que ajudados pelo barulho das luzes e pirotecnia.
As nossas miúdas portaram-se melhor que em qualquer ensaio, fiquei orgulhoso porque sabia que os kites eram muito pouco prácticos e exigiam um esforço redobrado no momento da coreografia.
Sucesso requer celebração. E eis que alguém da equipa se vira para o nosso supervisor, o Ascanio, um italiano super fixe que na altura já era mais um amigo que chefe, e diz "Olha lá, e se nós formos todos com elas agora no fim, para cima do palco?"

E fomos. Corremos para o palco, cinco gajos em fato macaco preto no meio de 80 miúdas todas de branco, pelo meio encontrámos o resto do elenco do Brasil e passados 2 minutos estava rodeado de milhares de dançarinos das outras partes do espectáculo, com atletas olímpicos ao meu lado, a saltar e a gritar freneticamente ao som dos The Who que actuavam mesmo à nossa frente, no meio de um estádio gigantesco populado por umas boas 80 mil pessoas.




Abraços, fotos, vídeos, samba...não deu para não gritar e não sentir que estava a ter um daqueles momentos épicos que ficam para contar aos netos. 
Finalmente percebi a génese dos eventos de massas, e fiquei fascinado pela capacidade organizativa de tudo, pela forma como é um esforço verdadeiramente olímpico conseguir pensar, criar e por em prática uma festa gigantesca como a de ontem. Meios humanos e técnicos numa escala completamente esmagadora.
Vão continuar a contar-se pelos dedos de uma mão as vezes que vou participar num evento deste tipo como público, mas do lado de quem trabalha, fica sem dúvida aqui registado o meu enorme respeito.

Friday 3 August 2012

Taça de Cereais


Chego a casa de mansinho, com meia luz e gesto felino.

Tiro a roupa cansada e deixo-a deslizar para o chão, a hora já não pede atenção a detalhes, o corpo já não pede muito mais além de uma taça de cereais e o que resta da noite de sono.

Vindo da cama ouve-se um arfar gentil. Ela não nota a luz ligada aos seus pés, o que me leva a crer que se deitou "a horas decentes", desta vez.
Desisto dos cereais. Em outros tempos teria optado por eles e por tudo o resto que coubesse no tabuleiro, quem sabe até uns restos aquecidos no micro-ondas, mas hoje em dia falta-me a paciência e valorizo mais o tempo que consigo dormir enquanto a manhã não inunda o quarto de luz.

Debruço-me sobre a cama, ela continua a ignorar a minha presença, envolta num sono que eu sei profundo. Beijo-lhe gentilmente a face e recebo em troca um surpreendente meio-sorriso, esboçado de perfil, salientando a covinha no canto da boca.
A ternura desta recepção tão ingénua e o conforto dos lençóis pre-aquecidos são tudo o que preciso para declarar o dia como bem sucedido. É uma declaração silenciosa, de mim para comigo próprio, sou afinal o único juiz possível de tal afirmação, passei dois terços do dia sozinho, mas foi a noite e o regresso a casa que ditaram a sentença.
Barriga vazia, coração cheio.

Monday 16 July 2012

Turista

"Le temps détruit tout".

Hoje estou em casa. Não a casa longe de casa, ou a casa adoptada durante uns tempos, a casa onde cresci.
A sensação é estranha. Tudo é familiar, mas ao mesmo tempo sinto-me desligado, distante, e noto diferença em coisas que antes faziam parte do meu dia-a-dia.
Abri o armário (novinho em folha, ironicamente mandado fazer à medida para um quarto inabitado), procurei por uns ténis confortáveis para o calor. A escolha foi óbvia: dunks, sempre os mais confortáveis. Curiosamente encontrei uns tão velhos que mesmo quando ainda vivia aqui já não os usava, facto demonstrado nas solas já meio amareladas. Encaixaram na perfeição, como se os tivesse calçado ontem.

Decidi caminhar até ao meu destino. O curto percurso de 12 minutos, que tantas vezes cronometrei por força do comboio que não esperava, foi cheio de memórias. Passei por prédios onde moravam amigos, subi ruas que em tempos desci de skate, e lá ao fundo vislumbrei o velho shopping, mutante edifício que nunca deixou de ser uma perfeita amostra da cultura suburbana local.
Lá dentro, estranhei a falta de diversidade nas pessoas. As mesmas roupas, as mesmas cores de cabelo, as mesmas etnias...fez-me confusão. Dei comigo a pensar como tudo é tão monótono por aqui, e em como já estou tão habituado a lidar com pessoas diferentes, dos quatro cantos do Mundo, com os seus sotaques manhosos e aparências que afirmam mais que fashion statements.
Dizer "olá" a alguém que me atendeu numa loja e receber um formal "boa tarde" em troca foi constrangedor. Fiz figura de turista a tentar perceber as medidas "europeias" para comprar um cinto.


Nos próximos dias vou estar com pessoas que me fazem muita falta mas para as quais não tenho mostrado o devido interesse. Posso sempre por as culpas na geografia, mas é treta. Um dos combustíveis que alimentam as relações é o tempo, e esse tem passado demasiado depressa. Enquanto que antes eu o gastava junto das pessoas importantes, agora gasto-o longe. E só reparo no quão estou longe quando estou perto.
Nunca senti que fizesse parte deste local porque cresci virado para o Mundo, mas foram essas pessoas que me fizeram sentir em casa. É complicado perceber que hoje em dia faço tão pouco parte da vida deles, em grande parte por culpa minha, por mais que a distância seja um obstáculo e o tempo uma força destruidora.



O dia de hoje foi propositadamente passado ao som do disco All We Grow do S. Carey, uma das coisas mais perfeitas de 2010, mas o feeling foi mais de uma Tourist, música dos Blacklisted.

Monday 9 July 2012

79

Há uns dias atrás, ao adicionar mais um filme à minha lista de visionamentos de 2012 no IMBD, apercebi-me que esta já vai em 79 títulos.

Acho o número meio absurdo. Nem me tinha dado conta que já tinha visto tanto filme este ano, e depois de vasculhar um pouco a lista acabei por me dar conta que também já vi muita porcaria...mas os que foram realmente bons, tiveram um impacto bastante forte, e são aqueles que provavelmente irei adicionar à colecção de DVD's.


Como bom apreciador de listas que sou, deixo aqui o que realmente interessa dos meus visonamentos, reconhecendo, obviamente, que ainda estamos a pouco mais de meio do ano, ainda há muito filme clássico que preciso ver na vida, e que o senhor Nolan ainda tem a tarefa muito árdua de me impressionar com o capítulo final do Dark Knight.


  1. 12 Angry Men (1957)
  2. Prometheus (2012)
  3. Shame (2011)
  4. Intouchables   (2011)
  5. The Help (2011)
Lista completa aqui.

Friday 6 July 2012

Oliveira

O André foi uma das pessoas cuja escrita/blog me deram vontade de criar este espaço.

Após lançar o seu primeiro livro no mês passado, lançou agora o website, que compila todos os textos de viagens e coisas em que se vai metendo (a cena do açucar ainda não me entrou ahah) de uma forma bastante eficaz.

Visitem aqui.

Wednesday 4 July 2012

Gambino



Hoje a noite foi do Gambino.
Numa Quarta-Feira à noite, ou sais de casa com um plano, e provavelmente um bilhete no bolso, ou não sais de todo. Mas Londres saiu, ou pelo menos a sala cheia que encontrei já a meio do concerto assim o indicava.
Nesta coisa do Hip-Hop “moderno”, que assumo acompanhar com alguma atenção, é preciso saber surfar a onda do hype, manter uma relevância contínua e principalmente criar um crescendo de atenção na Internet. Isto pelo menos no underground, aquela música que ainda não inunda as rádios e televisões (mas deixo o conceito em si aberto à interpretação de cada um).
Este Hip-Hop tem também uma particularidade: tem que saber apelar a miúdos brancos de classe média, "getting that white people's money". E comprovei isso também hoje no concerto do Childish Gambino.
Underground o suficiente para a promotora jogar pelo seguro e marcar concerto numa sala onde cabem umas 300 pessoas apertadas, mas com uma música adaptável, mainstream o suficiente para daqui a uns tempos já estar a voltar cá e a actuar para audiências de 1000 ou mais.

Para quem não conhece, a onda do Gambino é a mesma de um Drake, com um pouco menos de cantoria e influências mais indie nos beats, que é o mesmo que dizer que se enquadra bem no espectro artístico que o Kanye West conseguiu aperfeiçoar e trazer para a fama. Ou seja, fala-se pouco da realidade criminosa e empobrecida das ruas e mais de raparigas, amores perdidos, de como é complicado lidar com a fama e de como a perseverança e o trabalho duro são suficientes para conseguir alcançar os sonhos.
Ocasionalmente surge o tema das origens humildes, ou do racismo, ou até o do preconceito da própria comunidade Hip-Hop contra o que é diferente, mas o “diferente” começa a ser relativo nos tempos que correm, onde há espaço (e fãs) para toda a gente.
Pode não ser apelativo para todos, mas soa honesto, porque é um miúdo a falar daquilo que lhe é comum, sem inventar realidades que não são a dele. Não se desfaz das manias de grandeza e narcisismos que são inerentes ao Hip-Hop, e que no fundo fazem parte do “jogo”, mas com os pés bem situados na terra e sabendo que é no palco que se agarra quem compra discos, não na Internet.
O rapaz tem talento (já era escritor de séries televisivas e actor antes de ser músico), admito, e sabe o que faz. Não sobe a palco com DJ, sobe com uma banda de multi-instrumentalistas que tanto tocam sintetizador como violino, e dá um concerto sólido e memorável, com uma entrega incansável, energética e palpável (era mais fácil fazer um stage dive neste concerto do que no último que vi de hardcore na mesma sala, tal não era a irrelevância das barreiras ou a falta de seguranças).

O que transpareceu também antes e depois do concerto, e que me fez em parte escrever o post, foi a humildade que presenciei, e me disse respeito até certo ponto.
Estando eu ali por motivos de trabalho e não por ser fã, vi o que os fãs não viram: a banda que acompanhava o headliner esteve presente nos trabalhos de palco e montou o backline sem ajudas, e ajudou-me a mim inclusive na desmontagem, o que é raríssimo nestas andanças; o tour manager era tão boa onda e tão jovem que demonstrava uma ingenuidade inerente (convidou-me a vir ver o concerto, ofereceu-me cerveja e coca-cola do frigorífico do artista e agradeceu o meu trabalho com um aperto de mão sentido), e o próprio Donald, aka Gambino, saiu do minúsculo backstage uns quinze minutos depois do último acorde e ficou a conversar com os fãs mais resistentes (e as groupies) que ignoraram as instruções dos seguranças para abandonar a sala, trocando piadas com os companheiros de tour e descomprometidamente dizendo alto e bom som “I’m already the gayest rapper”. Sem manias de grandeza portanto.
Com um nome artístico ironicamente gangster que segundo o próprio foi inventado num tal “Wu-Tang Clan Name Generator”, se há coisa boa nesta nova onda de Hip-Hop é que traz uma mensagem de DIY em anexo, ignora os estereótipos dos “street credits” e das raízes do “ghetto” que são quase código genético de tanto rapper, e diz que nem sequer é preciso fazer música para agradar o público genérico deste estilo de música.
É uma subversão de géneros e estéticas interessante. Espero que é que a humildade continue a mesma, agora que já colabora com membros dos próprios Wu-Tang e outros pesos pesados do rap Norte-Americano na nova mixtape.

Tuesday 3 July 2012

Vermelho


De vez em quando, em raras ocasiões, vejo uma luz ao fundo do túnel no que toca aos seres humanos. Estas ocasiões dão-se, por norma, quando sou surpreendido por momentos de verdadeira beleza e sensibilidade nos sítios mais improváveis.
Dito assim parece frase saída de um guião de filme romântico de Domingo à tarde, mas juro que ontem assisti a um daqueles momentos que aparecem retratados naquelas correntes de imagens “feel good” das redes sociais, ou até em qualquer campanha publicitária das que exploram os sentimentos lamechas de união e solidariedade (*cof*Coca-Cola*cof*cof*).

Estava ao balcão do McDonalds à espera da comida, porque como sempre tinha dado para esquisito e pedido um dos hambúrgueres novos, que parece que são inventados só para chatear os coitados da cozinha, que àquela hora a última coisa que querem é ter de ir buscar o pão especial ou o ingrediente que não está à mão.
Quando falo em “aquela hora” falo obviamente no período nocturno. Já passava da meia-noite na verdade, o que salientou ainda mais o facto de ao meu lado de repente ter surgido uma jovem senhora com um vazo quadrado, cheio de flores vermelhas. Um vermelho vivo, as flores estavam ainda visivelmente frescas.
Não eram rosas, ou pelo menos acho que não. Na verdade não lhes prestei assim tanta atenção, a fome e o cansaço não deixavam muito espaço para contemplações. Peguei no saco e fui-me sentar, e desliguei-me do que se passava à minha volta até já andar de volta das últimas batatas fritas.

E foi enquanto esgravatava os restos de ketchup com as últimas batatas que o vermelho das flores voltou ao meu campo de visão.
A senhora estava sentada de frente para mim, no outro lado da sala, com o vaso ao seu lado em cima da mesa, e tal não foi o meu espanto quando a vejo ser abordada por um senhor de meia-idade, de uniforme do McDonalds, a perguntar-lhe pelas flores.
Não tinha reparado antes no empregado, mas a verdade é que ele tinha andado o tempo todo à minha volta, a limpar as mesas. Era o cleaner daquele turno, um homem negro de corpo esguio e meio corcunda, força do hábito a limpar mesas provavelmente. Tinha os dentes visivelmente mal tratados, e o boné da cadeia de fast food que usava na cabeça já tinha visto melhores dias. Estava perante um claro exemplo do estereótipo dos empregados do McDonalds, uma pessoa que provavelmente trabalhava ali não por vontade mas por necessidade, a ser explorada com um salário mínimo e com muito poucas opções além dos turnos que lhe eram designados.
Mas o que interessa mesmo para este relato foi a reacção da tal jovem senhora. Ela era visivelmente britânica (caucasiana, loira, traços faciais típicos), e mesmo tendo em conta que estávamos em Brixton, zona mais “periférica”, digamos assim, de Londres, que prima por um visível número maior de habitantes negros, fruto de comunidades de imigrantes que se fixaram ali há muitos anos atrás, já estávamos naquela hora em que pouca gente tem paciência para conversas, e normalmente fica de pé atrás quando abordada por estranhos. Mas não foi este o caso, de todo.

Entraram os dois em “amena cavaqueira”, com o senhor a pedir para tirar uma flor do vaso e colocar no canto da orelha. A dona do vaso não só o deixou tirar a flor como arrancou uma segunda e lha colocou no bolso da camisa, com o vermelho a destacar-se junto ao símbolo amarelo do Tio Donalds. O empregado, de gesto humilde e despreocupado, retribuiu a segunda flor com um aperto de mão e um discreto abraço.
Juro que só não me caiu a lágrima no canto do olho porque provavelmente a Coca-Cola Diet ainda não me tinha hidratado por completo, ou por outro lado me tinha tornado demasiado habituado a ver destas coisas nos anúncios da TV. E se julgam que a coisa ficou por aí enganam-se, pois a conversa entre os dois continuou até depois de eu me levantar e sair do restaurante.

São mesmo raras as vezes que me deparo com algo tão sublime e ao mesmo tempo tão espontâneo, duas pessoas sensíveis ao contacto humano genuíno, despretensioso, despreocupado, especialmente num local onde tudo é despersonalizado e só se entra para satisfazer necessidades de pagar a renda e/ou de alimentação, ora de forma robótica ou animalesca, respectivamente.
Que a próxima vez surja depressa.

Thursday 28 June 2012

Cloak Man


“Um perfeccionista sem relógio?”
Foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando o meu novo colega, após seguir o meu pulso com o olhar durante alguns segundos, me perguntou pelas horas.
Tínhamos trocado apertos de mão e nomes pouco antes, mas como sou péssimo com nomes a única coisa que retive foi a cara.
Sujeito dos seus trintas e poucos, mas que passava bem por quarentas devido ao cabelo grisalho (genética não perdoa), pouco mais alto que eu e de físico também não diferia muito, ou seja um trinca-espinhas. Foi bastante específico nas instruções que me deu, dando atenção a vários pormenores sobre os procedimentos para a noite, adicionando curtas nuances humorísticas, o que apreciei.
Gosto sempre de encontrar um da “minha espécie”, ou pelo menos da imagem que tenho de mim próprio: um comunicador, perfeccionista no que toca a trabalho, às vezes um pouco chato até, mas boa onda nos restantes aspectos, pronto a trocar mais que dois dedos de conversa, mandar umas piadas, e ficar a conhecer mais a fundo cada ser humano com quem se vai cruzando.

Os tais procedimentos eram bastantes simples, vim a perceber uma meia-hora mais tarde, o que deu espaço para falarmos sobre música. Não dava para falar de outra coisa, obviamente, não estivéssemos nós no cloakroom, o bengaleiro, de uma conhecida sala de concertos do Oeste de Londres.
Vim então a saber que o meu instrutor era na verdade músico, técnico de som de formação, e tinha também começado uma editora há uns anos, para lançar discos da própria banda.
Assim que lhe falei na minha própria editora, foi como abrir a Caixa de Pandora. Em poucos segundos debitou vários nomes aparentemente famosos na indústria, fundadores de impérios como a Capitol Records, um dos poucos que reconheci. Falava deles com uma naturalidade extraordinária, como se fosse óbvio eu saber quem eram, ou o que tinham feito, e rapidamente percebi que o cabelo grisalho não era só genética, havia ali muita sabedoria também.

A noite acabou por se revelar caótica mas interessante, com impressões e opiniões trocadas claustrofobicamente entre casacos, malas e pedaços de papel com números, e não pude deixar de pensar em como tudo é mais agradável quando há tempo para conhecer a pessoa que está ao nosso lado, seja em trabalho ou noutra situação social, e em como há potencial e oportunidades para aprender algo em todos os lados.
No fim do “turno”, a minha pergunta inicial deixou de ser retórica, tinha na verdade uma explicação simples: o perfeccionista sem relógio é o que mede o tempo de forma diferente, em compassos por exemplo. É o artista, o criativo, neste caso o que controla os cloaks mas não se deixa controlar por clocks.