Monday 16 July 2012

Turista

"Le temps détruit tout".

Hoje estou em casa. Não a casa longe de casa, ou a casa adoptada durante uns tempos, a casa onde cresci.
A sensação é estranha. Tudo é familiar, mas ao mesmo tempo sinto-me desligado, distante, e noto diferença em coisas que antes faziam parte do meu dia-a-dia.
Abri o armário (novinho em folha, ironicamente mandado fazer à medida para um quarto inabitado), procurei por uns ténis confortáveis para o calor. A escolha foi óbvia: dunks, sempre os mais confortáveis. Curiosamente encontrei uns tão velhos que mesmo quando ainda vivia aqui já não os usava, facto demonstrado nas solas já meio amareladas. Encaixaram na perfeição, como se os tivesse calçado ontem.

Decidi caminhar até ao meu destino. O curto percurso de 12 minutos, que tantas vezes cronometrei por força do comboio que não esperava, foi cheio de memórias. Passei por prédios onde moravam amigos, subi ruas que em tempos desci de skate, e lá ao fundo vislumbrei o velho shopping, mutante edifício que nunca deixou de ser uma perfeita amostra da cultura suburbana local.
Lá dentro, estranhei a falta de diversidade nas pessoas. As mesmas roupas, as mesmas cores de cabelo, as mesmas etnias...fez-me confusão. Dei comigo a pensar como tudo é tão monótono por aqui, e em como já estou tão habituado a lidar com pessoas diferentes, dos quatro cantos do Mundo, com os seus sotaques manhosos e aparências que afirmam mais que fashion statements.
Dizer "olá" a alguém que me atendeu numa loja e receber um formal "boa tarde" em troca foi constrangedor. Fiz figura de turista a tentar perceber as medidas "europeias" para comprar um cinto.


Nos próximos dias vou estar com pessoas que me fazem muita falta mas para as quais não tenho mostrado o devido interesse. Posso sempre por as culpas na geografia, mas é treta. Um dos combustíveis que alimentam as relações é o tempo, e esse tem passado demasiado depressa. Enquanto que antes eu o gastava junto das pessoas importantes, agora gasto-o longe. E só reparo no quão estou longe quando estou perto.
Nunca senti que fizesse parte deste local porque cresci virado para o Mundo, mas foram essas pessoas que me fizeram sentir em casa. É complicado perceber que hoje em dia faço tão pouco parte da vida deles, em grande parte por culpa minha, por mais que a distância seja um obstáculo e o tempo uma força destruidora.



O dia de hoje foi propositadamente passado ao som do disco All We Grow do S. Carey, uma das coisas mais perfeitas de 2010, mas o feeling foi mais de uma Tourist, música dos Blacklisted.

Monday 9 July 2012

79

Há uns dias atrás, ao adicionar mais um filme à minha lista de visionamentos de 2012 no IMBD, apercebi-me que esta já vai em 79 títulos.

Acho o número meio absurdo. Nem me tinha dado conta que já tinha visto tanto filme este ano, e depois de vasculhar um pouco a lista acabei por me dar conta que também já vi muita porcaria...mas os que foram realmente bons, tiveram um impacto bastante forte, e são aqueles que provavelmente irei adicionar à colecção de DVD's.


Como bom apreciador de listas que sou, deixo aqui o que realmente interessa dos meus visonamentos, reconhecendo, obviamente, que ainda estamos a pouco mais de meio do ano, ainda há muito filme clássico que preciso ver na vida, e que o senhor Nolan ainda tem a tarefa muito árdua de me impressionar com o capítulo final do Dark Knight.


  1. 12 Angry Men (1957)
  2. Prometheus (2012)
  3. Shame (2011)
  4. Intouchables   (2011)
  5. The Help (2011)
Lista completa aqui.

Friday 6 July 2012

Oliveira

O André foi uma das pessoas cuja escrita/blog me deram vontade de criar este espaço.

Após lançar o seu primeiro livro no mês passado, lançou agora o website, que compila todos os textos de viagens e coisas em que se vai metendo (a cena do açucar ainda não me entrou ahah) de uma forma bastante eficaz.

Visitem aqui.

Wednesday 4 July 2012

Gambino



Hoje a noite foi do Gambino.
Numa Quarta-Feira à noite, ou sais de casa com um plano, e provavelmente um bilhete no bolso, ou não sais de todo. Mas Londres saiu, ou pelo menos a sala cheia que encontrei já a meio do concerto assim o indicava.
Nesta coisa do Hip-Hop “moderno”, que assumo acompanhar com alguma atenção, é preciso saber surfar a onda do hype, manter uma relevância contínua e principalmente criar um crescendo de atenção na Internet. Isto pelo menos no underground, aquela música que ainda não inunda as rádios e televisões (mas deixo o conceito em si aberto à interpretação de cada um).
Este Hip-Hop tem também uma particularidade: tem que saber apelar a miúdos brancos de classe média, "getting that white people's money". E comprovei isso também hoje no concerto do Childish Gambino.
Underground o suficiente para a promotora jogar pelo seguro e marcar concerto numa sala onde cabem umas 300 pessoas apertadas, mas com uma música adaptável, mainstream o suficiente para daqui a uns tempos já estar a voltar cá e a actuar para audiências de 1000 ou mais.

Para quem não conhece, a onda do Gambino é a mesma de um Drake, com um pouco menos de cantoria e influências mais indie nos beats, que é o mesmo que dizer que se enquadra bem no espectro artístico que o Kanye West conseguiu aperfeiçoar e trazer para a fama. Ou seja, fala-se pouco da realidade criminosa e empobrecida das ruas e mais de raparigas, amores perdidos, de como é complicado lidar com a fama e de como a perseverança e o trabalho duro são suficientes para conseguir alcançar os sonhos.
Ocasionalmente surge o tema das origens humildes, ou do racismo, ou até o do preconceito da própria comunidade Hip-Hop contra o que é diferente, mas o “diferente” começa a ser relativo nos tempos que correm, onde há espaço (e fãs) para toda a gente.
Pode não ser apelativo para todos, mas soa honesto, porque é um miúdo a falar daquilo que lhe é comum, sem inventar realidades que não são a dele. Não se desfaz das manias de grandeza e narcisismos que são inerentes ao Hip-Hop, e que no fundo fazem parte do “jogo”, mas com os pés bem situados na terra e sabendo que é no palco que se agarra quem compra discos, não na Internet.
O rapaz tem talento (já era escritor de séries televisivas e actor antes de ser músico), admito, e sabe o que faz. Não sobe a palco com DJ, sobe com uma banda de multi-instrumentalistas que tanto tocam sintetizador como violino, e dá um concerto sólido e memorável, com uma entrega incansável, energética e palpável (era mais fácil fazer um stage dive neste concerto do que no último que vi de hardcore na mesma sala, tal não era a irrelevância das barreiras ou a falta de seguranças).

O que transpareceu também antes e depois do concerto, e que me fez em parte escrever o post, foi a humildade que presenciei, e me disse respeito até certo ponto.
Estando eu ali por motivos de trabalho e não por ser fã, vi o que os fãs não viram: a banda que acompanhava o headliner esteve presente nos trabalhos de palco e montou o backline sem ajudas, e ajudou-me a mim inclusive na desmontagem, o que é raríssimo nestas andanças; o tour manager era tão boa onda e tão jovem que demonstrava uma ingenuidade inerente (convidou-me a vir ver o concerto, ofereceu-me cerveja e coca-cola do frigorífico do artista e agradeceu o meu trabalho com um aperto de mão sentido), e o próprio Donald, aka Gambino, saiu do minúsculo backstage uns quinze minutos depois do último acorde e ficou a conversar com os fãs mais resistentes (e as groupies) que ignoraram as instruções dos seguranças para abandonar a sala, trocando piadas com os companheiros de tour e descomprometidamente dizendo alto e bom som “I’m already the gayest rapper”. Sem manias de grandeza portanto.
Com um nome artístico ironicamente gangster que segundo o próprio foi inventado num tal “Wu-Tang Clan Name Generator”, se há coisa boa nesta nova onda de Hip-Hop é que traz uma mensagem de DIY em anexo, ignora os estereótipos dos “street credits” e das raízes do “ghetto” que são quase código genético de tanto rapper, e diz que nem sequer é preciso fazer música para agradar o público genérico deste estilo de música.
É uma subversão de géneros e estéticas interessante. Espero que é que a humildade continue a mesma, agora que já colabora com membros dos próprios Wu-Tang e outros pesos pesados do rap Norte-Americano na nova mixtape.

Tuesday 3 July 2012

Vermelho


De vez em quando, em raras ocasiões, vejo uma luz ao fundo do túnel no que toca aos seres humanos. Estas ocasiões dão-se, por norma, quando sou surpreendido por momentos de verdadeira beleza e sensibilidade nos sítios mais improváveis.
Dito assim parece frase saída de um guião de filme romântico de Domingo à tarde, mas juro que ontem assisti a um daqueles momentos que aparecem retratados naquelas correntes de imagens “feel good” das redes sociais, ou até em qualquer campanha publicitária das que exploram os sentimentos lamechas de união e solidariedade (*cof*Coca-Cola*cof*cof*).

Estava ao balcão do McDonalds à espera da comida, porque como sempre tinha dado para esquisito e pedido um dos hambúrgueres novos, que parece que são inventados só para chatear os coitados da cozinha, que àquela hora a última coisa que querem é ter de ir buscar o pão especial ou o ingrediente que não está à mão.
Quando falo em “aquela hora” falo obviamente no período nocturno. Já passava da meia-noite na verdade, o que salientou ainda mais o facto de ao meu lado de repente ter surgido uma jovem senhora com um vazo quadrado, cheio de flores vermelhas. Um vermelho vivo, as flores estavam ainda visivelmente frescas.
Não eram rosas, ou pelo menos acho que não. Na verdade não lhes prestei assim tanta atenção, a fome e o cansaço não deixavam muito espaço para contemplações. Peguei no saco e fui-me sentar, e desliguei-me do que se passava à minha volta até já andar de volta das últimas batatas fritas.

E foi enquanto esgravatava os restos de ketchup com as últimas batatas que o vermelho das flores voltou ao meu campo de visão.
A senhora estava sentada de frente para mim, no outro lado da sala, com o vaso ao seu lado em cima da mesa, e tal não foi o meu espanto quando a vejo ser abordada por um senhor de meia-idade, de uniforme do McDonalds, a perguntar-lhe pelas flores.
Não tinha reparado antes no empregado, mas a verdade é que ele tinha andado o tempo todo à minha volta, a limpar as mesas. Era o cleaner daquele turno, um homem negro de corpo esguio e meio corcunda, força do hábito a limpar mesas provavelmente. Tinha os dentes visivelmente mal tratados, e o boné da cadeia de fast food que usava na cabeça já tinha visto melhores dias. Estava perante um claro exemplo do estereótipo dos empregados do McDonalds, uma pessoa que provavelmente trabalhava ali não por vontade mas por necessidade, a ser explorada com um salário mínimo e com muito poucas opções além dos turnos que lhe eram designados.
Mas o que interessa mesmo para este relato foi a reacção da tal jovem senhora. Ela era visivelmente britânica (caucasiana, loira, traços faciais típicos), e mesmo tendo em conta que estávamos em Brixton, zona mais “periférica”, digamos assim, de Londres, que prima por um visível número maior de habitantes negros, fruto de comunidades de imigrantes que se fixaram ali há muitos anos atrás, já estávamos naquela hora em que pouca gente tem paciência para conversas, e normalmente fica de pé atrás quando abordada por estranhos. Mas não foi este o caso, de todo.

Entraram os dois em “amena cavaqueira”, com o senhor a pedir para tirar uma flor do vaso e colocar no canto da orelha. A dona do vaso não só o deixou tirar a flor como arrancou uma segunda e lha colocou no bolso da camisa, com o vermelho a destacar-se junto ao símbolo amarelo do Tio Donalds. O empregado, de gesto humilde e despreocupado, retribuiu a segunda flor com um aperto de mão e um discreto abraço.
Juro que só não me caiu a lágrima no canto do olho porque provavelmente a Coca-Cola Diet ainda não me tinha hidratado por completo, ou por outro lado me tinha tornado demasiado habituado a ver destas coisas nos anúncios da TV. E se julgam que a coisa ficou por aí enganam-se, pois a conversa entre os dois continuou até depois de eu me levantar e sair do restaurante.

São mesmo raras as vezes que me deparo com algo tão sublime e ao mesmo tempo tão espontâneo, duas pessoas sensíveis ao contacto humano genuíno, despretensioso, despreocupado, especialmente num local onde tudo é despersonalizado e só se entra para satisfazer necessidades de pagar a renda e/ou de alimentação, ora de forma robótica ou animalesca, respectivamente.
Que a próxima vez surja depressa.