Sunday, 1 December 2013

Supernova

Noites boémias. O som das guitarras embala os corpos. Uma voz suave, despretensiosa, navega através da sala. As palavras cantadas trazem memórias distantes, algumas boas, algumas más. Murmuram-se melodias entre trocas de olhares cúmplices, solidários até, com os menos talentosos. Palmas juntam-se para dar ritmo ao som, mais ou menos encompassadas. Sorrisos nascem como velas acesas em todos os cantos da sala.
Todos sabemos de cor quais são as memórias, apesar das vivências serem diferentes.

Nunca havíamos estado juntos antes daquela noite. Nunca voltaríamos a estar.
Cruzámos olhares entre notas de uma guitarra mal tocada. O riso foi instintivo. O atabalhoado desfilar das cordas quase estragara a nossa parte favorita da música.
Não trocámos uma única palavra toda a noite. Não era preciso. A cumplicidade nascia a cada argumento apresentado pelo trovador, pois cada uma das suas cantigas era um ponto no mapa, uma cicatriz no corpo, uma lágrima já seca pelo tempo, esse demolidor de sonhos.
A cumplicidade deu lugar a ternura, comecei a prestar atenção aos detalhes. Foram as sardas que me cativaram o olhar, mas foi o dela que me confirmou a sensação de deja vu.
A melancolia é muito má a jogar às escondidas, aparece sempre espelhada no rosto dos que a trazem consigo. O deja vu por sua vez tem alcance curto, nunca vai muito longe, a razão e a lógica apanham-no por instinto. Mas deixa-nos sempre a magicar, que nem Houdini libertado das correntes.
As sardas pertenciam desta vez a uma face nórdica e um corpo espadaúdo mas ao mesmo tempo esguio. O cabelo era loiro de natureza mas curtinho, mais curto que o meu. A melancolia não trazia rótulo, não dava para perceber se era do momento ou de natureza.

Apenas a observei, absorvida no seu mundo, incógnita no meio do grupo, tímida na hora de soltar as letras das canções que sabia de cor.
A todas as estrelas chega a hora de brilhar. A dela chegou tardia. A face iluminou-se por momentos, o corpo levantou-se da cadeira. Tiradas as medidas da planta dos pés à ponta mais alta do cabelo, seria com certeza a rapariga mais alta que havia visto em muito tempo.
Quando tomou o banco e pegou na viola, a sua companheira de estrada voltou até si. Cabisbaixa, a vergonha, apesar de existente, escondia a verdadeira razão da melancolia ser parte de si. Mas a vergonha é sempre a primeira a saltar quando o navio já está a ir ao fundo, e a viola surte o efeito de trazer ao convés até os sentimentos mais escondidos.

Cantou e tocou uma das músicas mais amarguradas e mais belas que alguma vez tinha ouvido. A sua voz era frágil, desconcertante, exposta…puxava pela raiz de tudo aquilo que todos nós tentamos afundar. Todas as memórias, os pontos no mapa, as cicatrizes e as lágrimas estavam ali, em forma de som.
Quando o silêncio se apoderou do espaço que ficara após o fim da canção, um bravo ou tolo pediu-lhe para partilhar algo mais alegre.
“Só conheço músicas tristes”.

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