Friday, 3 August 2012

Taça de Cereais


Chego a casa de mansinho, com meia luz e gesto felino.

Tiro a roupa cansada e deixo-a deslizar para o chão, a hora já não pede atenção a detalhes, o corpo já não pede muito mais além de uma taça de cereais e o que resta da noite de sono.

Vindo da cama ouve-se um arfar gentil. Ela não nota a luz ligada aos seus pés, o que me leva a crer que se deitou "a horas decentes", desta vez.
Desisto dos cereais. Em outros tempos teria optado por eles e por tudo o resto que coubesse no tabuleiro, quem sabe até uns restos aquecidos no micro-ondas, mas hoje em dia falta-me a paciência e valorizo mais o tempo que consigo dormir enquanto a manhã não inunda o quarto de luz.

Debruço-me sobre a cama, ela continua a ignorar a minha presença, envolta num sono que eu sei profundo. Beijo-lhe gentilmente a face e recebo em troca um surpreendente meio-sorriso, esboçado de perfil, salientando a covinha no canto da boca.
A ternura desta recepção tão ingénua e o conforto dos lençóis pre-aquecidos são tudo o que preciso para declarar o dia como bem sucedido. É uma declaração silenciosa, de mim para comigo próprio, sou afinal o único juiz possível de tal afirmação, passei dois terços do dia sozinho, mas foi a noite e o regresso a casa que ditaram a sentença.
Barriga vazia, coração cheio.

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